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OS LOUCOS

ou o efeito de uma inquietação maior

" O ressentimento, causa vulgar, logo eficaz, dá inspiração, triunfa na arte e na filosofia: pensar é vingar-se com astúcia, é saber camuflar as perfídias e velar os maus instintos. Se julgamos pelo que exclui e repudia, um sistema evoca um ajuste de contas habilmente executado. Implacáveis, os filósofos são "duros" como os portas, como todos aqueles que têm algo a dizer."1
1 Emil Cioran - História e Utopia.  Rio de Janeiro: Editora  Rocco Digital, 2014, pg. 34.







1. Diz o editor no texto do convite que nos remeteu para colaborar na FLANZINE dedicada aos loucos anos 20! : “as nossas vidas continuam em suspenso”. O trabalho não remunerado, também. Respondemos nós. A conveniente bruma do nosso tempo eterniza as já longínquas  misérias da história.


2 . A história do trabalho poderia ser uma narrativa de assassinos.  Dela ainda não fomos capazes de encontrar o fim. O impulso da flecha. O tempo que passa. Não sabemos onde o arrumar. Todos os anos são loucos. Há muitos anos. Antes e depois dos 20. A repetição da  monotonia. O trabalhocídio, esse cavernoso lugar que há muito nos atravessa.



3 . A consagração do trabalho encobre-se nas cinzas.  Não se pode nadar durante a tempestade. As embarcações que regressam. Ninguém de importância. Carregam e descarregam, fecham e abrem, sobem e descem, avançam e recuam. Escrevem. 20. Crucificação por toda a parte. A farsa também.



4. A economia da ordem e os labirintos da repressão. A precariedade e os lugares de passagem. A mobilidade. O silêncio, o cansaço e a trivialidade da exploração. Os corpos enquanto máquinas de sobrevivência. Antes e depois dos 20.  Os deuses que aguardam. O regime da culpa no qual a sanção se produz.



5. Energia neutra da qual nenhuma perturbação se extrai. A obscuridade cavernosa de um subterrâneo. O trabalho e a escravidão original. Anos 20. Duas, três, quatro, cinco. Todas as vezes. Sempre outras vezes. Sempre a acreditar na promessa. Avançar. O excesso de história, afirmou Nietzsche, pode levar uma época a pensar que possui, em relação a outras, um maior grau de justiça.

6. Disse ainda o filósofo que se considerarmos a hipótese de perguntar a alguém se estaria disposto a reviver os últimos 10 ou 20 anos, certamente nos responderia que não. Estaria convicto que os próximos 20 seriam, indiscutivelmente, melhores. O recurso à analogia histórica pode ser a expressão de uma das formas da impotência.



7. São sete os dias da semana. Era Husserl que aconselhava aos seus contemporâneos a “meditar com radicalidade”. Uma exigência suplementar que nos é reclamada. Três mil caracteres. Com espaços. A mancha mínima da força de trabalho. A mesma resposta : to be continued. Os loucos.



“ A longo prazo, a vida sem utopia torna-se irrespirável, para a multidão pelo menos: sob pena de se petrificar, o mundo necessita de um delírio novo. Essa é a única evidência que se deduz da análise do presente.”2
[1]Emil Cioran - História e Utopia ....p.10.

— Texto escrito de acordo com a antiga ortografia

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