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O risco, ou uma chapa afiada


 



Mas, já no decurso daquele ano galáctico, chegamos à compreensão de que até então as formas do mundo tinham sido provisórias e que iriam mudar uma a uma. E a esse entendimento seguiu-se um fastio pelas velhas imagens, de tal modo que não se podia nem mesmo suportar a sua lembrança.

(Italo Calvino — Todas as cosmicómicas) 





O desenho não ocupa a folha, espacializa-se no tempo aí descobrindo o seu arquétipo — o espaço-tempo como assemblage opera o efeito desenho, um certo ritmo no qual cada forma é sempre um começo indeterminado, sem proposições fundadoras. Um risco. A ponta de uma chapa afiada, suspensa, baloiça para lá e para cá. Ao centro e sobre as nossas cabeças. Arriscar. Para cima e para baixo. A linha que na parede se desdobra num jogo de reflexos múltiplos garante a condição do assombro. Instaura a plasticidade de novos espaços que desapropriam a semelhança do poder de qualquer exercício regulador da imagem. Estruturas potencialmente cinematográficas activam delicados e imperceptíveis movimentos. Através delas, várias escalas e planos repetem-se descontinuadamente. Um cubo transparente reinventa a sala escura fascinado por  écrans invisíveis que aguardam a matéria sensível — disse Sokurov que há um grande número de pessoas que não têm nada dentro de si.

Convocando um sentido quase dramatúrgico do espaço expositivo, no qual os objectos, suportes e materiais protagonizam o livre fluxo entre ordem e desordem, equilíbrio e desequilíbrio, realidade e imaginário, interior e exterior, luz e sombra, afirma-se um quadro conceptual que desestabiliza a soberania da representação. Atmosferas sonoras integram uma poética sinuosa e vitalista que não só configura estas obras como manifesta a singular formulação da iconografia enquanto traço que nomeia o mundo. Omnipresentes e tensas cumplicidades estabelecem aproximações críticas entre paisagens e  tecnologias contemporâneas, nascentes de água e a extracção de petróleo, ecologia e massificação industrial, a natureza e a cultura. Os deuses e os mortais. Sempre a forma e o fundo. Ligações. A arte e uma obstinada maneira de entristecer.

Escreveu Herberto Helder que o amador e a coisa amada são um único grito anterior de amor — é o que na origem se enuncia como um desígnio. Ou o desenho.





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— Texto escrito de acordo com a antiga ortografia


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